quarta-feira, 9 de março de 2011

Chalera#03

Chalera caminhava na rua. Estava cansado de ficar em casa e a bebida tinha acabado. Decidira ir ao encontro do alívio enquanto o alívio não o encontrava. Freqüentava uma bodega perto de sua casa, Bar Rabo de Galo era o nome. Ele gostava do slogan, que dizia: “Bar Rabo de Galo, há 10 anos colocando alegria na sua vida e desculpas na sua mente”. Era um tanto curioso que se interessava por uma verdade tão fétida. A clientela era espetacular, homens que batiam nas mulheres e trepavam com travestis, alguns aspiradores de pó, ex-maridos que se afogavam no trago pra esquecer, meia dúzia de travecos, algumas prostitutas que entravam lá dentro e não agüentavam o cheiro de derrota por nem 10 minutos e ele, que não se considerava de nenhuma dessas categorias.

Como sempre, no meio do caminho aconteceu algo para deixá-lo chateado e dar mais motivos pra beber. Escutou uma bruaca falando pra um guri, “Se um dia tu chegar nesse estado, te acorrento na cama, filho da puta”. Lógico, não se chateou por ser considerado um mau exemplo, e sim pela maneira da mãe tratar o filho. Porra deixa o bacuri descobrir a vida e escolher o que quer. Melhor ser um mau exemplo assumido do que alguém que acha que faz o bem, e vai dormir rezando pra Deus matar todos os caras que pedem esmola na rua. Era nessa verdade que sempre acreditou.

Mas enfim, lá estava Chalera, na porta do bar. Pensando, “entro ou não entro”, ele sabia que era um caminho sem volta. Entrou.

A alegria do dono do boteco, Limonada, se mostrou no sorriso que abriu assim que viu Chalera.

- Grande amigo, quanto tempo. Por onde anda?

- Cala boca Limonada. Tu sabe que não gosto de papo. Uma dose dupla de whiskey, sem gelo.

- Tudo bem, tudo bem. O mesmo Chalera de sempre. Toma aí, ou enfia no rabo, tu que sabe.

- Obrigado.

Aquele gole desceu de uma maneira que Chalera não esperava, rasgou mais que o normal, mas proporcionou mais prazer que o normal. Devia ter se chateado mesmo com a historia do bacuri.

E aí o espetáculo começou, como sempre, aquela gente escrota entrando e saindo do bar, falando coisas que Chalera não podia nem acreditar que ouvia, filosofias mais podres que o bafo das bocas das quais saiam.

Dois aspiradores saíram do banheiro com o nariz sangrando, enquanto um fodido qualquer falava pra um travesti:

- Cocaína, jamais colocarei essa química no meu corpo.

Em seguida virava um copo de cachaça pura, enquanto se regurgitava na idéia de ser um grande “cara limpa”.

Quanto mais olhava, mais se arrependia de ter ido até lá, mas ao mesmo tempo gostava de ver tudo aquilo. Via que tinha gente pior que ele, bem pior. Ele ao menos tinha a decência de saber quem era, por que era e onde estava.

Entrou no banheiro, um traveco fazendo um boquete num cara careca. Não deu atenção, saiu.

Vinte minutos depois, entrou um casal de gays no bar, e alguém gritou:

- Puta que pariu alguém tira esses viadinhos daqui.

Olhou quem era o cara que gritava, era o careca do banheiro. Começou a rir. Quanto mais via a ignorância das pessoas, a prepotência e a maldade, mais entendia por que bebia, porque se matava, e por que não gostava de sair de casa.

- Fecha a porra da conta, Limonada. Pra mim já deu o que tinha que dar.

- Calma aí Chalera, que acha de levar uma putinha junto pra casa? Tenho uma nova, deixo ela ali na esquina. Quarenta anos, no ponto pra te ensinar de tudo.

- Porra, chama ela aí então, nada de melhor mesmo.

Limonada foi até a porta e gritou:

- Chega aí Arlete.

Chalera escutou uns resmungos, uma reclamação, lá tava a Arlete, quarenta anos, alta, magra e uma cara de quem já tinha cheirado tanto pó na vida que não existia mais via nasal pra ela.

Chalera escutou um murmúrio:

- Mas que bosta em Limonada, tu só me coloca em fria.

- Calma Arlete, ele é gente boa.

-Mas olha a cara dele, aposto que o pau dele nem sobe mais. To fora dessa merda.

Limonada chegou perto, meio sem jeito.

-Chalera, ela ta nos dias, só boquete, mas disse que já fez de mais hoje.

- Tudo bem, nem sei se meu pau sobe mais hoje mesmo. Valeu a tentativa Limonada. Fica com o diabo que te carregue.

Chalera saiu do bar, não queria mais voltar lá, nunca mais. Mas não prometeu. Ele sabia que voltaria.

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